Quarta-feira, 25 de Março de 2009
«A minha prima Zulmira é o que pode chamar uma mulher média. Lembro-me sempre dela em ano de eleições, pela previsibilidade do seu voto. É uma daquelas pessoas que consegue votar sempre no vencedor, seja ele qual for.
Lembro-me da sua desilusão com os governos de Mário Soares e da sua atitude determinada em votar no PSD de Cavaco. É preciso mudar, afirmava ela enquanto jurava a pés juntos que a partir daquelas eleições tudo seria diferente.
Passados alguns anos encontrei-a zangada com o estado do país, com o autoritarismo cavaquista, com o aumento das portagens na ponte 25 de Abril, com a possibilidade da terça-feira de Carnaval deixar de ser considerado dia de tolerância de ponto.
Daí a vê-la embalada pela música do Vangelis, a elogiar o diálogo tolerante de Guterres, foi um pulinho de bicho de perna curta. Agora é que ia ser a sério, tudo ia mudar e a felicidade estava mesmo ali à mão de semear. A minha prima até acreditou que a famosa frase "no jobs
for boys" tinha alguma coisa a ver com seriedade, isenção e transparência.
Ainda o segundo mandato de Guterres não tinha chegado a meio e já a Zulmira bradava que este PS que não era carne nem peixe e estava a levar o país para o abismo e afirmava que votaria em quem quer que fosse para por termo aquele regabofe.
Nomeado Durão Barroso primeiro-ministro, com o voto da Zulmira, e voltei a encontrá-la cheia de esperança. Imaginem que até achava que aquele ar sério da ministra das finanças compensava a náusea que lhe causava a presença de Paulo Portas no Ministério da Defesa.
Meio mandato passado e a Zulmira já não conseguia suportar o sentimento de culpa de ter dado o seu voto ao PSD e voltou a embarcar no navio da esperança.
Desta é que ia ser. O homem era novo, falava bem, tinha nome de filósofo e prometia empregos como quem promete bacalhau a pataco.
Encontrei-a no passado dia 13 de Março, no meio de duzentas mil pessoas, a exigir uma mudança de rumo.
Espantado, perguntei-lhe o que estava ali a fazer, ela que achava que a democracia se esgotava no voto e que essa coisa de andar na rua a fazer manifestações estava completamente ultrapassada.
Pegou-me num braço, aproximou a sua boca do meu ouvido e confidenciou-me: sabes… acho que percebi finalmente que durante os últimos 34 anos andei a votar sempre no mesmo partido, a pensar que votava de forma diferente. Cheguei à conclusão que todas as vitórias eleitorais que festejei, afinal eram vitórias alheias. Desta vez vou votar nos teus. Para grandes males, grandes remédios.
A minha prima Zulmira é uma das muitas Zulmiras que percebeu que alternância e alternativa são palavras com diferente significado. Que percebeu a incapacidade deste centro político para resolver os problemas que as suas políticas criam.
Não sei se, apesar do que me anunciou, será capaz de romper com o preconceito ancestral e votar nos comunistas e nos seus aliados, mas o facto de anunciar essa disponibilidade já é um passo enorme, que nos permite aquilatar do estado de alma dos portugueses.
A Zulmira percebeu no meu sorriso a dúvida que se estava a instalar sobre disponibilidade para levar aquela intenção até ao fim.
Olhou o mar de gente à sua volta, perscrutou o seu relógio de pulso e disse-me com o ar brejeiro que lhe lembro da juventude: meu caro, mais vale à tarde que nunca.»
Eduardo Luciano
in Registo, 23.03.2009
De Anónimo a 25 de Março de 2009 às 23:13
quem é o Luciano? a Zulmira é muito inteligente!
strunnfee.
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